Essa tal Segurança é mesmo um Presente?

Começou aos poucos. Em shopping centers, condomínios e áreas fechadas, aos poucos vimos a emergência de uma segurança adicional fornecida por meios privados. O papel do Estado de mediação dos conflitos foi assumido pelo capital.

Salto longo.

Em 2015, após episódios simbólicos de violência, evidências anedóticas, o modelo Segurança Presente é apresentado ao Rio de Janeiro como solução para áreas específicas. Agentes da segurança pública, como policiais militares, passariam a trabalhar nos seus dias de folga executando patrulhamento em territórios circunscritos. O financiamento dessas atividades viria ora a partir do capital, via Fecomércio, ora a partir do próprio Estado, através do governo estadual e da Prefeitura.

Segurança Presente no Méier – Governo do Estado do Rio de Janeiro

Não vamos perder tempo dizendo que é contraintuitivo apostar em uma política pública nova onde falta o arroz com feijão. Se já existe a Polícia Militar, os Batalhões de Polícia Militar responsáveis pelo patrulhamento das áreas, é claro que faz mais sentido, além de ser mais justo e democrático investir na própria polícia, que deve cumprir seu dever em todo o Estado, não em áreas específicas.

Também poderíamos considerar, como nos alertam Zygmunt Bauman e Carlos Vainer, que a restrição de políticas públicas de segurança a áreas restritas causam o aumento das desigualdades e da segregação na cidade como um todo.

Mas não, caro leitor. Os programas de Segurança Presente são um engodo, um problema mesmo para os cidadãos destas áreas destacadas, porque eles não são políticas públicas. Eles não visam o bem-estar do cidadão, mas tão somente uma falsa sensação de segurança e, quando possível, um ganho para o capital comercial local. Políticos e comerciantes ficam felizes. Às vezes os cidadãos até ficam, mas este não é o objetivo principal.

Os recortes territoriais são restritos no geral e no particular. Poucos bairros recebem o programa, e aqueles que o recebem, só vêem as ações numa área diminuta. No caso da Tijuca, que receberá o Tijuca Presente a partir de 2019, a promessa não sai do entorno das praças Saens Peña e Varnhagem. Ruas como a Haddock Lobo, São Francisco Xavier e Uruguai continuarão sem saber o que é a tal Segurança Presente.

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Bairro da Tijuca (em vermelho) e áreas anunciadas de atuação do Tijuca Presente (em azul).

Além disso, o tempo também é um problema. Imaginar que a segurança pública tem hora pra funcionar e pra acabar parece premissa de filmes como Uma Noite de Crime (The Purge), mas é exatamente o que acontece nos casos do Segurança Presente. Na Tijuca, o programa funcionará de 8h às 20h. E depois, toque de recolher?

Na Lagoa Rodrigo de Freitas, que recebeu o programa Segurança Presente após a morte de um médico na ciclovia, os limites do Lagoa Presente foram percebidos de maneira trágica no começo deste mês, quando um empresário, Hugo Klein, foi assassinado à 1h20, 80 minutos após o programa Segurança Presente encerrar suas atividades diárias no bairro.

Se até hoje o programa está circunscrito a áreas bastante restritas do estado, sua prometida expansão para a Baixada Fluminense não significa melhora. Sim, é verdade que os índices de crimes contra o patrimônio caem bastante e prisões são feitas. Mas isto é apenas parte da segurança pública. 

Como tentamos mostrar resumidamente, esta é uma iniciativa problemática desde o princípio. É injusta, aprofunda desigualdades, segregadora, mas também é falha, eventualmente ineficaz até mesmo para os poucos privilegiados que vivem e circulam nos espaços escolhidos pelo programa.

Inteligência, educação, redução de desigualdades, estratégias e mudança de paradigmas: é isso que muda a segurança pública como um todo, não meia dúzia de ilhas, oásis de relativa paz numa realidade de tantos conflitos.